Márcia Barbosa, membro da Academia Mundial de Ciências, comenta o cenário da ciência no Brasil

Uma das personalidades mais proeminentes da ciência brasileira, Márcia ressalta a relação entre a universidade e empresas, governo e outros setores da sociedade

Márcia Barbosa é professora titular no Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e membro da Academia Brasileira de Ciências. Especialista em mecânica estatística, seu trabalho que propõe uma explicação para a existência de anomalias na água baseada em potenciais efetivos de duas escalas. Seu trabalho como pesquisadora ganhou destaque internacional lhe rendeu-lhe o Prêmio L’Oréal-UNESCO para Mulheres em Ciência em 2013. Em 2019, foi eleita membro da Academia Mundial de Ciências.

Em conversa com a equipe da Aprix, em maio deste ano, Márcia trouxe sua visão sobre a inserção do Brasil no cenário mundial da ciência, da pesquisa e da inovação. Além disso, ressaltou como a ciência se relaciona com a diversidade e com a solução de problemas ambientais, sociais e econômicos. Em entrevista concedida ao Aprix Journal, Márcia Barbosa aprofundou alguns dos temas tratados com a equipe da Aprix. Confira!

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Aprix Journal — Quais são os maiores mitos sobre a produção científica brasileira?

Márcia Barbosa — A primeira coisa, que eu ouço muito, é que “tem muito doutor no Brasil”. Neste momento, está havendo um desinteresse na universidade. O Brasil está atrás da Colômbia, da Argentina, do Chile, em percentual da população que tenha feito uma graduação. Dentro desse aspecto, é muito mais barato construir um curso de áreas como Direito, por exemplo, do que um curso de Engenharia. Então, por um lado, tem poucas pessoas indo para universidade, e, por outro, nós não ofertamos muito áreas tecnológicas. Então, aí nós temos um grave problema para o desenvolvimento do Brasil. Não é possível se fazer um país desenvolvido sem ciência e tecnologia. Não é possível acabar com a desigualdade sem um parque industrial no país, e, para isso, precisamos formar mais pessoas.

Outra coisa que as pessoas acham é que porque em alguns países como os Estados Unidos, as universidades em sua maioria não são governamentais que a pesquisa é paga de forma privada nesses países. Isso também não é verdade. As universidades norte-americanas, que não são públicas, mas são comunitárias (ou seja, elas não estão na bolsa de valores), elas sobrevivem na pesquisa graças ao dinheiro do governo.

Dito isso, o terceiro grande mito é que a universidade tem que resolver o problema tecnológico brasileiro. A universidade tem um papel de desenvolver conhecimento básico aplicado, de formar pessoas, mas quem desenvolve tecnologia em qualquer parte do mundo é iniciativa privada.

“O Brasil não percebe que, em muitas áreas, estamos lado a lado com a competição internacional, com uma distinção: temos muito menos recursos”

Aprix Journal — Como as universidades e as empresas brasileiras, sobretudo as startups e empresas de tecnologia, podem colaborar entre si para gerar inovação e solução de problemas?

Márcia Barbosa — Esse diálogo deve acontecer de duas maneiras. Primeiro, a universidade deve formar pessoas com um olhar nos problemas e nas perguntas que as empresas estão fazendo, e tentar adaptar à universidade. Eu vejo que a interação com o estágio pouco se transforma em mudar a maneira como nós ensinamos os problemas dentro da universidade. Então estágio tinha que ser uma guia de mão dupla para, a partir disso, fazer esse processo de transformação.

A outra coisa urgente é olharmos de uma maneira global para esse corpo de incubadoras. Devemos ter um parque tecnológico físico, porque de novo ele é uma via de mão dupla. Ele faz com que eu olhe qual é o problema que a comunidade está querendo que eu resolva, ou que problema eu posso ajudar do jeito que a universidade sabe ajudar, que é transformando aquilo em tese, em dissertação. Nesse nosso processo, muitas vezes, a universidade não olha para a empresa, mas a empresa também não olha para universidade. Então temos que pensar em flexibilizar um pouco essa relação, com a sociedade em geral, para que esse diálogo se transforme na formação de um recurso humano mais adequado para o meio.

Aprix Journal — Considerando a sua experiência enquanto mulher e latino-americana, qual é a importância da diversidade para a produção científica?

Márcia Barbosa — Tem um estudo muito interessante, feito em 2020 nos Estados Unidos, que analisou teses de doutorado, e mostrou que grupos sub-representados nas ciências exatas trazem mais inovação. Os problemas mais complexos hoje em ciência, ou em uma empresa, ou em qualquer outro ambiente, não são respondidos por uma pessoa isolada. Se eu preciso de uma saída que é fora da caixa, e todo mundo da equipe estiver na mesma caixa, o que estiver fora dela vai ser o mesmo para todo mundo. E aí eu tenho menos chance de trazer uma solução criativa. Então, a diversidade é bem importante, mas ela não basta. Não basta eu juntar na mesma sala pessoas de perfis diferentes se eu não oportunizar cada pessoa de explorar a sua diversidade.

Aprix Journal — Quais são os maiores desafios que a pesquisa brasileira deve enfrentar nos próximos anos?

Márcia Barbosa — Primeiramente, nós temos desafios de infraestrutura. Nós precisamos de financiamento regular e ininterrupto, só então cientistas conseguem ter a segurança de que vão poder responder uma pergunta científica em determinado tempo, pois sabem que vão ter alunos, bolsas e um ambiente propício. Precisamos igualmente de algumas políticas para que esse financiamento atinja todas as áreas do conhecimento. E precisamos de um estímulo para gerar um ecossistema interessante para o fluxo de pessoas, e de atraí-las para o Brasil.

Também precisamos articular a pesquisa e a universidade com questões de meio ambiente, com questões de produtividade, com a questão da fome. Isso é urgente. E isso tudo envolve ter uma política de estado — não de governo, que acaba daqui a quatro anos. E, finalmente, precisamos aumentar a industrialização. Precisamos formar alunos para desenvolver, para empreender, para criar.

Na Aprix, acreditamos no método científico como o melhor caminho para gerar soluções éticas que resolvem problemas reais. Para saber mais sobre os valores que guiam nosso propósito, leia o Manifesto Aprix.
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Júlia Provenzi
Júlia Provenzi é jornalista, formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Na Aprix, escreve sobre tendências no mundo dos negócios e inovação aliadas às áreas de pricing. Busca desmistificar o uso da IA e de tecnologias de ponta no contexto do Revenue Growth Management (RGM) em grandes companhias.
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Júlia Provenzi
Júlia Provenzi é jornalista, formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Na Aprix, escreve sobre tendências no mundo dos negócios e inovação aliadas às áreas de pricing. Busca desmistificar o uso da IA e de tecnologias de ponta no contexto do Revenue Growth Management (RGM) em grandes companhias.

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