“Há uma percepção clara de que existe uma disparidade entre pessoas que trabalham nas empresas de tecnologia”. Foi a partir dessa inquietação que Andreza Rocha, que atua na gestão de pessoas em empresas de tecnologia há 18 anos, decidiu fundar a AfrOya, hub de inovação afrofuturiasta e global, com foco inserção, desenvolvimento, ascenção e pertencimento de talentos negros no ecossistema de TI e inovação. Alguns dos principais projetos envolvem o desenvolvimento de carreira de lideranças negras e geração de networking.
O que move o trabalho de Andreza é a transformação social. Vai além de mobilizar a contratação de pessoas negras, pois compreende o desejo de ver os espaços que frequenta cada vez mais diversos. Andreza também é head de Operações e Diversidade BrazilJS, palestrante e foi painelista no South Summit Brazil, evento global de tecnologia e inovação.
Durante o South Summit, Andreza concedeu uma entrevista exclusiva ao Aprix Journal. Leia a seguir.
Aprix Journal — Você comentou, durante seu painel no South Summit, que existem muitos profissionais negros e mulheres, pra citar dois exemplos, na tecnologia, mas que continuam sendo perfis menos contratados. Por quê isso acontece?
Andreza Rocha — Bom, são alguns motivos. O primeiro, claro, é a discriminação racial e o racismo que impedem que pessoas muito talentosas ascendam. A consequência é não conseguirmos acessar esses espaços de inovação. Desde a escola não existe um estímulo para que essas pessoas também possam ingressar em carreiras técnicas, como engenharias e tecnologia, e um dos grandes problemas disso é que é uma área que tem muita demanda e tem escassez de mão de obra. E você tem um público que, se você insere na tecnologia, e faz com que esse público ascenda, está resolvendo dois problemas: o da mão de obra, mas também da situação econômica, que é muito importante. A tecnologia proporciona essa ascensão econômica em um prazo menor do que as demais carreiras e acaba com mais pessoas injetando mais recursos na economia. A AfrOya tem olhado para essas pessoas que já têm um nível sênior, que já estão nas carreiras há bastante tempo, mas têm essa dificuldade de seguir ascendendo.
Andreza participou do painel Investindo em Diversidade, que foi realizado no espaço Growth Stage do South Summit Brazil. Foto: Pedro Piegas/PMPA
Aprix Journal — Sabemos que apenas atrair profissionais diversos não é o suficiente. Como as diversidade deve ser aplicada de fato dentro das organizações?
Andreza Rocha — São várias frentes. Para começar, é necessário olhar para dentro, entender qual é a cultura da empresa, quem são as pessoas que já estão atualmente. Muitas vezes, a diversidade já está lá. Focando na questão racial, é importante que se entenda que você só precisa fazer a proporção. O que tem na sociedade é a proporção que deveria ter nas empresas também, e nos demais espaços.
É preciso olhar para a cultura para entender se a empresa está pronta para dar esse passo, porque é um passo importante. É um trabalho de longo prazo. Não se faz em seis meses, em três meses, não é um projeto só que você faz e resolve todos os problemas. É um investimento que você vai começar a fazer agora, você vai colher frutos em um ano, dois anos, e isso vai se solidificando na cultura, mas a primeira coisa é ter disposição, investimento e estratégia. O assunto diversidade, e diversidade racial muito mais, tem que estar no board. Se não for uma decisão de board, não funciona. Não são os grupos de afinidade que resolvem, não é o RH que resolve, é uma decisão estratégica de negócio e relacionada a uma tomada de decisão de escalar o assunto.
“É uma escolha inteligente, é uma escolha humana e é uma escolha justa, porque a diversidade é importante pra todo mundo”
Aprix Journal — Qual é a importância do protagonismo nas transformações sociais?
Andreza Rocha — A AfrOya parte do princípio do que nós já existimos: somos muitos, e muito talentosos. Mas fomos ofuscados e apagados pelo racismo e pela discriminação racial. O AfrOya tem três pilares bem importantes, que são: tecnologia, para que estejamos sempre atualizados, no que há de mais importante acontecendo no campo tecnológico; identidade, para que a gente possa expressar a nossa identidade cultural, racial em qualquer espaço que a gente esteja, como por exemplo eu estar num grande evento de inovação usando minha trança e isso não ser nenhum problema; e o protagonismo que é perguntar: onde estão essas pessoas? Vamos colocá-las para se expor, vamos colocá-las nos palcos protagonizando assuntos e temas que elas são especialistas. Não falar sobre racismo ou discriminação, vamos falar sobre tecnologia, sobre inovação. Então, o protagonismo tem essa cara, de você investir em pessoas que já existem, que já estão aí, e fazer com que elas também tenham visibilidade.
Aprix Journal — Qual é a importância da diversidade para as empresas, asobretudo as que trabalham com tecnologia e inovação?
Andreza Rocha — A diversidade é a natureza da humanidade. Então, ela se torna mais importante porque deixou de ser um interesse midiático para que se torne uma estratégia de negócios. Eu, particularmente, não gosto de assessorar uma empresa que quer ter diversidade pelo ponto de vista financeiro. Mas eu entendo, é um negócio, ele foi feito pra gerar receita. E sob o ponto de vista econômico, é muito melhor. Eu consumo, eu compro carro, eu compro casa, eu viajo. Mas para quem as empresas estão desenvolvendo seus produtos e serviços? Eu não acredito, não quero acreditar que as empresas têm hoje disposição para desperdiçar bilhões de reais, que é o que a população negra gera de receita, de renda. Nós temos um público consumidor e que deseja participar das decisões também. Nós temos um público que deseja conhecer e acessar outros espaços.
Então, é uma escolha inteligente, é uma escolha humana e é uma escolha justa, porque a diversidade é importante pra todo mundo, para todos os grupos sub-representados, mas sob o ponto de vista de justiça social. Se a empresa não é justa pra todo mundo, ela não vai ser justa nem pra mim, que sou mulher, negra, mãe, nem para outras pessoas que não tem e esse fenótipo, e não vai ser justa nas relações internas. Então, olhar para diversidade é uma estratégia de negócio, mas é uma estratégia humana, de cidadania que também te conecta com outros players. Te conecta com o que tem acontecido no mundo de mais moderno em termos de gestão de pessoas, te conecta com um novo paradigma de construção social mais justa, de um capitalismo mais consciente, se é que isso é possível. Enfim, eu acredito que tem outras possibilidades de se fazer negócio e que eles sejam mais centrados em pessoas.